sábado, 5 de julho de 2014

em tons branco ...



   " Tal como o preto, a sua cor oposta, o branco pode situar-se nas duas extremidades da gama cromática. absoluto e sem outras variações que as que vão do fosco ao brilhante, o branco significa ora a ausência, ou a soma das cores. por isso às vezes coloca-se ora no início ora no fim da vida diurna e do mundo manifesto, o que lhe confere um valor ideal, assimptótico. mas o fim da vida, o momento da morte é também um momento transitório, na charneira do visível e do invisível, e por isso um outro ponto de partida (...) 

    é uma cor de passagem, no mesmo sentido em que se fala de ritos de passagem; e é, justamente, a cor privilegiada destes ritos, com os quais se operam as mutações do ser, segundo o esquema clássico de qualquer iniciação: morte e nascimento.


   o branco do oeste é o branco mate da morte, que absorve o ser e o introduz no mundo lunar, frio e feminino; conduz à ausência, ao vazio nocturno, ao desaparecimento das cores diurnas.

   o branco do este é o do retorno: é o branco da alvorada, de quando a abóbada celeste reaparece, vazia de cores ainda, mas rica do potencial de manifestação, de que o microcosmo e o macrocosmo se recarregaram (...).

   um desce do brilho à opacidade, o outro sobe da opacidade ao brilho. em si mesmos, estes dois instantes, estas duas brancuras, estão vazios, suspensos entre a ausência e a presença, entre lua e sol,entre as duas faces do sagrado, entre os seus dois lados. todo o simbolismo da cor branca e dos seus usos rituais ressalta desta observação da natureza, a partir da qual todas as culturas humanas edificaram os seua sistemas filosóficos e religiosos.


   um pintor como w. kandinsky, para quem o problema das cores ultrapassava largamente o problema da estética, exprimiu-se, sobre este tema, melhor que ninguém : o branco, que muitas vezes é considerado como uma não-cor ... é como que o símbolo de um mundo onde todas as cores, enquanto propriedades de substâncias materiais, se desvaneceram ... o branco actua sobre a nossa alma como o silêncio absoluto ... este silêncio não está morto, transborda de possibilidades vivas ... é um nada cheio de alegria juvenil ou, melhor dizendo, um nada anterior a qualquer nascimento, anterior a qualquer começo. talvez a terra tenha ressoado assim, branca e fria, no tempo dos glaciares. (...)"



in "dicionário dos símbolos" , jean chevalier & alain gheerbrant , 1ª edição em 1982