"Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por
isso.
Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove
mais.
(...)
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as
minhas ideias,
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o
meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não
compreende o que se diz
E quer fingir que compreende."
Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa
in «Guardador de rebanhos» 1914
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